Capítulo 1: O Silêncio não é Ausência
Quando olhamos para o espaço sideral, o que vemos é vastidão. Mas e quanto ao que ouvimos? A idéia de que o espaço é silencioso é repetida como um axioma. E com razão: no vácuo do espaço, onde não há átomos suficientes para formar um meio, o som, como o conhecemos, simplesmente não se propaga. Isso porque o som é uma onda mecânica, e ondas mecânicas necessitam de um meio físico para se moverem, como o ar, a água ou metais.
Mas então por que a NASA divulga “som do buraco negro”? O que exatamente estamos ouvindo quando clicamos em um vídeo com “os sons do universo”?

Capítulo 2: A Física do Som e o Vácuo
Para compreender o dilema, é preciso separar dois conceitos: ondas sonoras reais e dados transformados em som. No vácuo, como o do espaço interestelar, a propagação de som tradicional é impossível. Mesmo dentro de nebulosas ou discos de acreção, a densidade é muitas ordens de magnitude inferior ao ar da Terra. Ainda assim, é possível detectar flutuações de pressão, ondas de plasma, campos magnéticos oscilantes.
Essas variações são captadas por sondas espaciais e convertidas — por meio de um processo chamado sonificação — em arquivos audíveis para nós, humanos. Ou seja: não estamos ouvindo sons, mas interpretações auditivas de dados.
Capítulo 3: O Buraco Negro que Canta
Um dos exemplos mais famosos é o da região ao redor do buraco negro do aglomerado de Perseus. Cientistas descobriram ondas de pressão que emanavam do centro do aglomerado, propagando-se pelo gás quente ao redor. A frequência dessas ondas era de cerca de 57 oitavas abaixo do Dó Central, ou seja, completamente inaudível. No entanto, ao acelerar digitalmente esses dados em mais de um trilhão de vezes, a NASA criou um clipe sonoro impressionante. O resultado foi divulgado em 2022, dando origem ao mito moderno de que “os buracos negros cantam”. Outro que particularmente é excelente é o de registros do James Webb. Ouça diretamente no canal da NASA abaixo:
Capítulo 4: A NASA e os Sons do Espaço
A biblioteca que a NASA mantém é riquíssima com dezenas de “sons” do espaço. A maioria vem de ondas de plasma detectadas por antenas em sondas como a Voyager, Cassini ou Parker Solar Probe. Outros são registros de interações entre ventos solares e campos magnéticos. Cada som revelado é uma tradução digital de um fenômeno físico.
Vale lembrar: nada disso você ouviria se estivesse ali. O espaço segue mudo, pelo menos para nossos ouvidos.
Capítulo 5: Metáforas, Cinema e Cultura Pop
Na ficção científica, o som no espaço é um recurso narrativo. Naves explodem, motores rugem, lasers sibilam. Tudo falso, mas essencial para a imersão emocional. Filmes como Interestelar e 2001: Uma Odisseia no Espaço desafiaram essa convenção, optando por momentos de silêncio para intensificar a tensão.
Culturalmente, nós queremos ouvir o cosmos. O som torna a experiência mais humana. Transforma dados em emoção, cientificidade em poesia.
Capítulo 6: O Espaço Fala, Mas Não Como Pensamos
Sim, o espaço tem vibrações. Mas não tem cordas vocais, nem ar para transmitir o som. O que ouvimos são traduções: dados sónicos artificiais criados a partir de fenômenos físicos.
Talvez a pergunta não devesse ser se o espaço fala, mas como o interpretamos. Em tempos de excesso de ruído digital, ouvir o silêncio pode ser mais revelador.

Glossário 2.0
- Vácuo: Região onde há ausência (ou quase ausência) de matéria. No espaço, o vácuo impede a propagação de som como conhecemos, pois não há um meio físico contínuo (como ar ou água) para conduzir ondas sonoras.
- Onda Sonora: Vibração mecânica que se propaga em meios materiais (sólidos, líquidos ou gases). Não se propaga no vácuo.
- Sonificação: Processo de transformar dados (como radiação, variações de campo magnético ou luminosidade) em sons audíveis, normalmente como recurso educativo, artístico ou científico.
- Buraco Negro de Perseus: Buraco negro supermassivo no centro do aglomerado de galáxias de Perseus. Foi associado, em 2003, à emissão de ondas de pressão detectadas pelo telescópio Chandra — consideradas como o som mais grave já registrado (cerca de 57 oitavas abaixo do dó central).
- Onda de Plasma: Oscilações de partículas carregadas (elétrons, íons) em um ambiente com plasma — um estado da matéria comum no espaço. Essas ondas podem ser captadas por instrumentos e convertidas em áudio.
Assista o vídeo no canal Metaverso da Cyberciência